Afinal, o que é essa tal de sombra da qual todo mundo está falando? Sombra não é só aquela parte escura que nos acompanha no mundo material, quando andamos em um local iluminado, mas para todos os fins e efeitos, essa imagem pode nos trazer muita clareza sobre o conceito de sombra psíquica! Tal qual no mundo exterior, em nós também existem aspectos de luz (que estão na consciência, ou seja, da qual temos consciência) e aspectos sombrios (que são inconscientes para nós, mas nos seguem e atuam na nossa vida, tal qual nossa sombra).
Na sabedoria oriental, existe um provérbio que diz: “Volta teu rosto sempre na direção do sol, e então as sombras ficarão para trás.” Essa reflexão esclarece que quanto mais nos movemos na direção da consciência, mais nossos aspectos inconscientes ficam “desconhecidos”.
A sombra é uma parte de nós, uma parte importantíssima, diga-se de passagem. Ela nos acompanha dia e noite, e quando menos esperamos, ela se manifesta. A sombra não é moralmente boa ou ruim. Ela é somente um aspecto desconhecido de nós. Contudo, é muito possível que a sombra seja um lado nosso que queremos esconder, minimizar, excluir, fingir que não existe, empurrar essa sujeira para debaixo do tapete!
As pessoas são treinadas para demonstrar e valorizar determinados aspectos da sua personalidade e esconder outros. Isso é cultural. É bonito quando pensamos numa pessoa que se sacrifica pelos demais, e é feio quando vemos alguém sentindo inveja! Isso não significa que nós não sintamos inveja no nosso íntimo...
A sombra é esse lado oculto, ou lado B nosso. Ela está com a gente, nos assusta e aparece nas horas mais inconvenientes! Para tratar da sombra, gosto de mencionar a história do Dr. Jekyll e Sr. Hyde, de Robert Louis Stevenson. Sr. Hyde esconde seus crimes à noite, e o Dr. Jekyll é o filantropo e benfeitor. Eles são a mesma pessoa, só que o Sr. Hyde é a sombra do Dr. Jekyll. Para dar um exemplo mais “moderno”, o Hulk personagem da Marvel é exatamente igual. O Dr. Bruce Banner é um cientista, comportado, gentil, atencioso, dedicado. O Hulk é uma besta sem controle das próprias ações. O que separa os dois? Uma situação de stress.
A sombra normalmente é projetada em situações em que nos sentimos pressionados. A sombra é sempre o oposto complementar daquilo que somos na consciência. Se somos pessoas honestas na consciência, nossa sombra é um “quê” de desonesta. O contrário também é verdadeiro. Pela mesma lógica a sombra do mago é o charlatão.
Caro (a) leitor (a), talvez você que já tenha lido meu artigo sobre os complexos e arquétipos esteja se perguntando se a sombra é um arquétipo, por contemplar essa dualidade. Se você se perguntou isso, meus parabéns, você estava perfeitamente certo! A sombra faz, portanto, um parzinho com seu contrário, o ego! Ele mesmo. Aquele que filtra o que fazemos.
Se você for ainda mais perspicaz, pode estar se perguntando: ora, se existe o inconsciente coletivo, a sombra pode ser pessoal e coletiva? Parabéns novamente querido (a) leitor (a). A sombra pessoal sempre vai abarcar nossas experiências individuais. Pode ser que você tenha sido uma pessoa que foi reprimida na juventude e aprendido a julgar os efeitos da bebida nas pessoas. Então quando encontrar essas pessoas felizes bebendo, julgue. Pode ser que a sombra desse julgamento seja a inveja da felicidade. (Esse exemplo é meramente didático e não tem a menor pretensão de contemplar a integralidade da psique.) Mas, ela também pode ser uma sombra cultural coletiva. Um exemplo de uma sombra coletiva foi o N4z!$m0. Esse movimento foi a projeção coletiva de um aspecto sombrio. Não vou entrar nos pormenores da questão, mas acho que é um exemplo acessível à todos nós.
Sobre esse assunto, a autora Verena Kast (2022, p. 8), nos ensina:
“A história não trata de duas pessoas diferentes, mas de dois lados de uma única pessoa: um lado é tão brilhante, tão belo; o outro é abominável, a sombra. As diferenças entre a postura consciente e a imagem nossa que gostamos de apresentar, de um lado, e os aspectos reprimíveis, menos vistosos e condenáveis, de outro, não são tão extremas quanto nessa história – mas, como no exemplo, essa história serve muito bem. A sombra, a ameaça escondida, o proibido, aquilo que devemos confrontar, mas que, muitas vezes, não conseguimos encarar.”
Sempre queremos ser vistos pelos nossos aspectos mais bonitos, mais adaptáveis. Ninguém vai à uma entrevista de emprego ou entra num relacionamento amoroso e declara numa primeira conversa: “Eu sou acumuladora, não lavo a louça nunca e sou fofoqueira.” Normalmente, nós mostramos nosso lado mais aceitável, e com o passar do tempo, com a convivência, vamos mostrando nossas características menos agradáveis.
É muito mais fácil enxergarmos a sombra do outro que a nossa própria. Sabe aquela amiga que sempre diz que “Eu sou uma pessoa justa.” Será mesmo? Ou será que ela se acha justa porque critica com furor as outras pessoas e reveste esse lado maldoso como “justiça”? Não se preocupe, querido (a) leitor (a), todos nós temos alguns esqueletos no armário. Quanto antes compreendermos que a sombra não é nossa inimiga, mas um lado para o qual temos que olhar, melhor. Só há sombra onde existe luz, lembra? E quanto mais luz, mais sombra.
Lembra que eu falei que as histórias têm importância para a Psicologia Analítica? (Tem artigo sobre isso aqui no blog). Na mitologia, vemos claramente que os gregos já entendiam a importância da sombra. Se por um lado temos Zeus, um parâmetro de céu, com seus raios luminosos, por outro temos um deus igualmente importante para a mitologia, Hades, deus do mundo inferior e dos mortos! Vamos pensar então em Zeus enquanto nosso ego. E Hades como nossa sombra inconsciente. Existe na mitologia um único deus capaz de transitar por esses mundos, Hermes. Hermes é o deus da comunicação (dentre outras coisas). Ele é o que chamamos de “psico-pombo” ou seja, ele carrega informações do consciente pro inconsciente e vice-versa.
A sombra é como o negativo de uma foto (o exemplo só vai ser claro pra quem, como eu, viveu o tempo da foto impressa, mas dá conta do recado!) Aliás, a sombra da velhice, é a juventude! Agora que você já sabe sobre sombras, já pensou no que vai se fantasiar nesse halloween?
Referências:
KAST, Verena. A sombra em nós: A força vital subversiva. Petrópolis: Ed. Vozes. 2022.
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