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paulabernardi46

Depressão e Burnout: sintomas de uma alma cansada

Vivemos tempos em que não é possível parar para sentir. Afinal, estamos atrasados para o compromisso que marcamos. Quando chegamos no lugar que combinamos de encontrar o amigo para um almoço rápido, enquanto checamos os e-mails do trabalho, já estamos pensando na lista de coisas que temos para fazer. Dormir parece um verdadeiro desperdício de tempo. E a produtividade é uma imperatriz cruel.

Verena Kast, ensina que:

Hoje em dia, a alma se manifesta não só no amor, mas em múltiplos temores, medos, alterações de humor, em depressões e síndromes de ‘fósforo queimado’ [burnout]. A psique se expressa em distúrbios. Sob o ponto de vista psicodinâmico, os distúrbios representam aquilo que não está recebendo sua devida atenção na situação atual. Foi esquecido, se perdeu, mas faria parte de uma autorregulação. Isso significa que precisamos dar mais atenção à alma. (KAST, Verena. 2016, p. 17)

 

Elegi o mito de Sísifo para submetermos à uma ampliação simbólica no que diz respeito à depressão e ao burnout. Aquele mesmo, que todo mundo fala pejorativamente de algo excruciante como um “trabalho de Sísifo”.

Para não nos estender demasiado narrando a integralidade do mito, vou fazer um resumo das partes que serão abordadas nesse texto. Sísifo era o homem mais astuto e inescrupuloso da Grécia Antiga, como narra a Ilíada. Ele foi o responsável por “dedurar” o rapto de Zeus para com Egina, a filha do deus-rio Asopo. Por esta razão, Zeus, o deus dos céus, e governante do Olimpo, enviou Tânatos (a Morte), para que levasse Sísifo ao Hades (os infernos). Contudo, como Sísifo era um homem muito astuto, enganou a morte não uma, mas duas vezes.

Como penalidade por seus crimes, os deuses o castigaram a rolar um bloco de pedra montanha acima por toda a eternidade. Sempre que ele se aproximasse do cume, o bloco rolaria novamente para baixo, e a tarefa recomeçaria.

Sobre esse mito, podemos considerar múltiplos aspectos simbólicos importantes. Entretanto, vamos nos deter especificamente à análise do rolar da pedra infinitamente. Quantas vezes, em nossas vidas, fomos visitados por sentimentos de tristeza, impotência ou desânimo? Quando esses sentimentos acontecem, dentro da lógica do mundo moderno, a resposta é sempre a expurgação dessa emoção que nos “assombra”. É como se não nos fosse permitido “sentir” algo diferente de felicidade, animação, entusiasmo. Essa negação da negatividade, produz, segundo Byung-Chul Han, uma sociedade deprimida. Jung ensina sobre a depressão:

A depressão é sempre uma condição introvertida. Os melancólicos mergulham numa espécie de condição embrionária; eis porque eles apresentam este acúmulo de sintomas físicos peculiares. (JUNG, Carl Gustav. OC 18, § 63)

Na psicologia analítica, sabe-se que a conformação consciente x inconsciente apresenta funções complementares. Ou seja, toda vez que impulsionarmos nossa energia vital, que o Jung chamou de libido (que muito diferente do conceito Freudiano de libido, não é apenas a energia sexual), para fora, a psique vai exigir o contraponto. Se vivemos numa sociedade pautada em aspectos da produtividade excessiva, em que temos que ser livres o tempo todo, bem-sucedidos, “trabalhar enquanto eles dormem”, sermos autênticos, autodeterminados, entusiásticos, termos uma vida pública. Logo, por oposição paradoxal, em algum momento, a psique e o corpo vão pedir o contraponto.

Sobre esse assunto, Magaldi ensina:

Muitas vezes associamos a depressão, que é uma espécie de represamento de energia, com regressão patológica da energia. O depressivo é aquele indivíduo que ficou muito tempo direcionando sua energia para fora, para frente e para cima. Dessa maneira, surge o sintoma depressivo como um meio enantiodrômico e compensatório, para que a totalidade psíquica seja contemplada e o processo de individuação resgatado pelo ego. Com isso, na depressão o ego é obrigado a ver a energia psíquica ser investida para trás, para baixo e para dentro, podendo ser uma grande oportunidade para que uma nova configuração energética, muito mais saudável e menos fixada no ego heroico possa surgir. (MAGALDI, Waldemar, p. 146)

A depressão representa hoje, um afastamento de mais de 300 milhões de pessoas do trabalho, segundo dados da Organização Pan Americana de Saúde (OPAS).

Esta aparente “pandemia” de depressão é ocasionada pela ausência de “interior”. Falta o contraponto para a psique. É evidente, caro leitor, que eu não estou dizendo que a depressão não seja uma patologia grave e que exija um tratamento adequado, sério e acompanhado. O que eu estou dizendo, é que diante do aumento astronômico de casos de depressão, cabe a nós, olhar a realidade que construímos e que nos constrói, criticamente.

            O burnout é outro exemplo de doença mental, que gera afastamento do trabalho, e que é considerada ocupacional, ou seja, causada pelo excesso de trabalho. É a representação do fósforo que queimou e a chama se apagou. Esse esforço sobre-humano, é igual, simbolicamente, ao esforço de Sísifo levando a pedra até o cume do Hades, só para ver seus esforços serem inutilmente invalidados, enquanto a pedra rola montanha abaixo. Para Verena Kast:

[...] é um fator importante na dinâmica do estresse. Quando estamos pressionados, perdemos a sensibilidade para relacionamentos humanos, a não ser que os outros contribuam rapidamente com aquilo que precisamos urgentemente. Pressionados, pressionamos os outros – e logo se cria uma situação de pressão generalizada. Em nosso tempo livre poderíamos relaxar: Mas aí nos pegamos fazendo uma lista mental de tudo que ainda precisa ser feito. (KAST, Verena. 2016. p. 113)

            Quando Ulisses encontra Sísifo no Hades, na Odisséia, ele relata que o viu sofrendo diante do peso da pedra. Vejamos um trecho da Odisséia, em que Homero explica o encontro de Ulisses com Sísifo:

Também vi Sísifo extenuando-se e sofrendo; empurrava um bloco imenso com ambas as mãos. Na verdade, ele o arrastava até o cume, sustentando-se com os pés e as mãos; mas quando estava a ponto de finalmente atingir o alto do morro, o peso excessivo o impelia para baixo. Novamente então, a pedra impiedosa rolava para o vale. Entretanto, ele reiniciava o trabalho e empurrava-a a ponto de ter o corpo banhado de suor, ao redor de sua cabeça, porém, pairava uma nuvem de poeira. (Homero)

            Nesse breve relato de Ulisses em sua jornada, fica claro que o trabalho executado por Sísifo era completamente exaustivo. Contudo, se formos pensar simbolicamente nessa nuvem de poeira que pairava na cabeça dele, podemos pensar que o esforço empreendido na tarefa foi tão grande, que ele perdeu até a habilidade de pensar.

            Muitos relatos de depressão vêm associados com a apatia, insônia e o embotamento mental. Podemos, então, pensar que esse embotamento mental é fruto de uma atividade extenuante. A atividade extenuante da qual é o deslocamento da energia vital para o interior. Se pensarmos no sistema psíquico como um sistema relativamente fechado, em que a energia se desloca, mas não se altera nunca em quantidade, quando deslocamos essa energia para um dos polos, no outro, inevitavelmente faltará energia.

Byung Chul-Han, ensina sobre a insônia:

O bom sono é, por ele mesmo, uma conclusão. O sujeito do desempenho exaurido, em contrapartida, adormece como uma perna adormece. Isso não é uma forma de conclusão. A insônia provém da incapacidade de concluir. Hoje, fecham-se os olhos, quando se os fecham de algum modo, por cansaço e exaustão. Seria mais apropriada a formulação: os olhos simplesmente se fecham, o que não é uma conclusão. (HAN, Byung Chul. 2017. pp. 12,13)

Se o sono é o momento de reparação da alma, e se estamos cada vez mais transgredindo a paz, o sossego, as férias, o descanso, então que tempo sobra para a alma?

Não é de se surpreender que a sensação da era é um desconforto inominável em que buscamos em todas as coisas a completude que nos falta: seja nos relacionamentos, no consumo, na comida. É um modus operandi consolidado na nossa sociedade. Com isso eu quero dizer que, é preciso falar sobre depressão, sobre burn out, sobre ansiedade e sobre o desejo de alguns de tirar a própria vida. Mas também é necessário falar sobre uma reconfiguração da nossa compreensão de produtividade. Não é possível ser produtivo o tempo todo. Isso cansa! Sísifo está exausto. Nós estamos exaustos de carregar nossas pedras morro acima.

            Ou seja, se o movimento da psique, durante o processo depressivo, é para dentro, invariavelmente tudo que está “fora” vai ter menos energia. O processo terapêutico serve justamente para olhar para onde essa energia foi deslocada, entender que a depressão é um sintoma de que a psique precisa se reorganizar, e, junto com o paciente, construir um caminho criativo que devolva a energia à sua fluidez original.

            Supondo que Sísifo se submetesse à um processo de análise terapêutica, o que eu, enquanto analista diria para ele é: E porque você tem que levar a pedra até o topo? O castigo foi nunca conseguir. Mas ninguém disse que você teria que correr atrás da pedra. Qual é o padrão dominante recorrente que te faz ir atrás da pedra, ir atrás do sofrimento? Porque não só deixar ela ali? Ver onde ela vai parar? Porque não repensar o esforço?

            Trocando em miúdos, o trabalho terapêutico, é ajudar o paciente a elaborar o que ele sente. Não é nada incomum na clínica os pacientes sequer conseguirem nomear o que sentem. É com muita empatia que o terapeuta vai desenvolver um trabalho de levar “luz” aos lugares que os pacientes não enxergam num primeiro momento.

            Como nós, no nosso dia-a-dia vamos arrumar tempo para a alma, se não arrumamos nem tempo para o tédio? O tédio é de extrema valia, tanto quanto a produtividade. É no tédio que nos tornamos criativos. É no tédio que devolvemos à psique a capacidade de ser produtiva de novo!

 

           

           

 Referências: Fundamentos – Magaldi

JUNG, Carl Gustav. OC 18.

Organização Pan Americana de Saúde (OPAS).

KAST, Verena. A alma precisa de tempo. Petrópolis: Vozes, 2016.

HAN, Byung Chul. Sociedade do cansaço. 2. Ed. Ampliada. Petrópolis: Vozes, 2017.

Homero

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