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paulabernardi46

Complexos: Como funcionam os “divertida-mente” na vida real




A Disney lançou em 2015, o primeiro filme da franquia “Divertida-mente”, que tratam sobre as diversas emoções (tristeza, alegria, raiva, nojo, medo) atuando na cabeça de uma menina chamada Riley. Em 2024, foi lançado o segundo filme da franquia, adicionando “novas” emoções no controle da mente da agora, adolescente. Nessa nova etapa conhecemos a ansiedade, a inveja, o tédio e a vergonha.

            O filme traz importantes compreensões e curiosidades sobre a mente humana, com uma pitada de diversão própria dos filmes Disney. Isso nos leva ao tópico dos afetos. Afeto, para Jung, é tudo aquilo que nos desperta uma emoção, sentimento ou sensibilidade. Toda a nossa natureza psíquica é organizada em torno dos afetos. Podemos ter afetos com tonalidades emocionais boas ou ruins.

            Os afetos são como partículas pequenas, que são agrupadas em formações maiores que denominamos de: Complexos. Os complexos, diferente do que se pensa, não são chamados assim por seu caráter “complicado”, mas porque eles são como ilhas. Sabe, como chamamos um conjunto de ilhas de “complexo”? É essa a ideia. Portanto, seguindo essa lógica, um conjunto de afetos, chama-se complexo. Todo complexo é dotado de energia psíquica. Quando mais um complexo está “carregado” mais ele será “potente”. Em outras palavras, um conjunto de afetos muito intenso (bom ou ruim) pode desenvolver uma força quase “autônoma” em nós.

            Às vezes, somos “tomados” por uma emoção tão forte que nem parecemos nós mesmos. Esse momento em que nos sentimos “tomados” é o momento em que algum complexo está atuando em nós. Dessa forma, os complexos são como “personalidades” vivas e autônomas, que atuam quando somos surpreendidos por uma situação ou emoção que evoca aquele grupo de emoções que formam o complexo.

            Todos os seres humanos têm complexos, que o bebê já nasce com o complexo materno (a primeira figura que cuida e alimenta). Em sua interação com o mundo, ele descobre a figura paterna (a primeira figura que vai tirar esse bebê do seio da mãe), e assim, desenvolve um universo de associações emocionais relacionadas ao pai (aqui usamos a palavra pai com a licença poética de qualquer pessoa que exerça a função paterna). Conforme a criança desenvolve a linguagem, e toma posse do “eu”, ela desenvolve o complexo do ego. Logicamente, todos temos muitos outros complexos além desses três básicos, mas eles são comuns a todo ser humano. Existem tantos complexos quanto existem comportamentos humanos (ou seja, infinitos).

            Por que somos pegos de “surpresa” quando o complexo atua? Os complexos têm a função de intermediar o mundo externo com o mundo interno, e eles tentam nos “proteger” de fragmentar. Os complexos são inconscientes em sua origem. Não temos que pensar em respirar, certo? Os complexos atuam também de forma involuntária. Entretanto, podemos nos tornar cientes de sua existência e ressignificar aquele apanhado de afetos. Por essa razão que os complexos são como os divertida-mente. Nós sentimos tristeza, ou raiva, ou qualquer outra emoção, mesmo não querendo!

            A descoberta do inconsciente feita por Sigmund Freud em 1915, representou um grande avanço para a Psicologia. Ele provou que nem tudo é consciente, e que grande parte de nossas memórias e vivências fica armazenada num infinito pouco acessível à nós. Essa descoberta possibilitou ao Jung que desenvolvesse uma teoria que foi um pouco mais adiante: existem dois tipos de inconsciente: um pessoal, que carrega tudo que foi vivido, pensado, sentido ou conhecido, mas que não estava conservado na consciência ativa; e um coletivo, que carrega uma marca histórica do homem desde os primórdios dos tempos. É o que dividimos como humanidade. Essa camada contém aqueles padrões da percepção psíquica, comuns a toda a humanidade, os arquétipos.

            Os complexos fazem parte de ambos inconscientes. Ele tem um caráter pessoal: como por exemplo, o complexo materno de cada um de nós vai contemplar nossa vivência pessoal com a figura materna. E algo de coletivo: existe dentro de todas as pessoas uma noção geral do que seria uma mãe. Essa noção é divida com toda a humanidade. A imagem da mãe primordial é uma figura que chamamos de arquétipo.

            Já adianto, caro (a) leitor (a), que o conceito de arquétipo é um tanto mais complicado de explicar que os complexos, mas vou me esforçar para deixar o mais didático possível. Os arquétipos, para Jung, seriam “formas típicas de apreensão”[1]. Em outras palavras, os arquétipos seriam padrões de percepção e compreensão psíquicas comuns a todos os seres humanos. Jung não cunhou o termo “arquétipo”, o termo vem do grego “arque typós”, que traduzido seria algo como “marca primeira”. Robert Hopcke (2023, p. 25), nos ensina que:

O arquétipo em si não é uma ideia herdada nem uma imagem comum. Uma descrição melhor é que o arquétipo seja como um molde psíquico no qual são despejadas as experiências individuais e coletivas, onde elas tomam forma, mas isso é distinto dos símbolos e imagens em si.

            Sendo assim, compreendemos que o arquétipo em si é inacessível para nós. O que conseguimos compreender é a imagem (o símbolo) do arquétipo. Existem inúmeros arquétipos (e não só 7 ou 10 ou 13 como muitos sites dirão por aí...), alguns, repito, alguns exemplos, são: o arquétipo do trickster, da Grande Mãe, da Mãe Devoradora, do Velho Sábio, do Charlatão, do Grande Pai e do Pai Terrível.

            Hopcke (2023, p. 26), esclarece:

Jung considerava os arquétipos como ambivalentes, potencialmente positivos e negativos. À medida que os próprios arquétipos estão, por definição, fora do conhecimento consciente, eles funcionam autonomamente quase como forças da natureza, organizando a experiência humana em caminhos especiais para o indivíduo, sem considerar as consequências construtivas ou destrutivas da vida individual.

 

            Dito isso, compreende-se que arquétipo e complexo são conceitos indissociáveis. O complexo só existe em torno de um núcleo arquetípico, e um arquétipo só existe como imagem acessível por meio do agrupamento da carga emocional do complexo. Se todo arquétipo é potencialmente negativo e positivo, os complexos também podem ser positivos ou negativos. É como um termômetro que marca graus positivos e negativos. Isso não atribui aos graus qualidade de “bom” e “mau”, são apenas temperaturas. Assim são os complexos. Podemos ter um complexo materno de carga afetiva positiva, ou de carga afetiva negativa. E você? Como estão seus divertida-mente?

 

Referências: JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. 7. Ed. Petrópolis: Vozes, 2013.

HOPCKE, Robert H. Guia para a obra completa de C.G. Jung. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 2012.


[1] JUNG, Carl Gustav. OC 8, § 280.

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